A ANSIEDADE COSTUMA CHEGAR JUNTO com o casal logo na primeira consulta. Afinal, qualquer pessoa tem sempre a esperança de escutar que seu problema não requer soluções complicadas e que simples orientações serão suficientes para contornar o problema, sem necessidade de uma investigação ou trata mento para a resolução da infertilidade. A realidade, no entanto, mostra–se bem diferente dessa expectativa em inúmeros casos, e o estresse e a incerteza se fazem presentes.
Além disso, muitos casais se encantam com a possibilidade de resolver tudo rapidamente com método sofisticado e já chegam querendo um bebê de proveta ou ICSI, São, muitas vezes, seduzidos pelo tipo de informação que recebem dos meios de comunicação. É importante, no entanto, que se tenha consciência do encanto e sofisticação artificiais que a inidia coloca sobre esses tratamentos. Muitas vezes o diagnóstico e o tratamento podem demorar mais do que aquilo que o casal gostaria, mas nem por isso ele deve se esquivar de um diagnóstico mais aprofundado ou pular etapas e procedimentos. A ansiedade, portanto, acaba sendo a consequência natural da espera e da incerteza de um tratamento correto. O importante é não permitir que ela tome as rédeas da situação.
Há ainda outro aspecto gerador de estresse e ansiedade. Durante o diagnóstico e o tratamento da infertilidade, é possível que alguns exames tenham que ser repetidos, o que pode gerar uma certa ansiedade. As vezes, exames são repetidos devido a algum erro do laboratório. No entanto, essa insistência em um diagnóstico preciso é imprescindível. Ou se faz um diagnóstico correto ou tapa–se o sol com a peneira, efetuando–se procedimentos mais invasivos muitas vezes sem necessidade.
Não existe um caminho mais rápido?
Marina e Antônio Carlos já haviam passado por uma fertilização in vi tro (FIV) sem sucesso quando me procuraram. Agora, queriam tentar de novo. Estavam casados há seis anos, com uma relação estável e uma vida conjugal satisfatória, porém dando sinais de cansaço – não queriam mais viver a dois somente.
Formada em odontopediatria, Marina relatou o quanto se sentia cada vez mais frustrada ao tratar de seus pequenos pacientes, atormentada por ainda não ter a sua própria criança. Um pouco gordinha, sofria de uma Síndrome do Ovário Policístico e o fato de ter feito uma FIV sem sucesso lhe dava a sensação de esterilidade irreversível, pois “nem com o bebê de proveta a gravidez foi possível“.
Conversamos muito. O caso me parecia relativamente simples, sem necessidade de um procedimento muito invasivo como primeira opção. Propus que fizéssemos quatro tentativas de Inseminação Intra–Uterina, com um protocolo de indução apropriado para o seu caso e muita paciência. Mas precisa, em primeiro lugar, desmistificar a ideia de uma FIV como solução imperativa, e o casal teve de conviver, por algum tempo, com essa mudança de planos, o que não foi nada fácil.
Antônio Carlos alegou que queria um prognóstico definitivo. Poderia adotar um filho, se necessário, mas não suportava ter a vida paralisada a espera de uma solução. Era como se preferisse saber com certeza que não iam conseguir a gravidez do que suportar a angústia do risco e da dúvida. A FIV lhes parecia o caminho mais rápido até essa resposta.
Era interessante o fascínio que a FIV exercia sobre esse casal como uma saída absoluta para o seu problema. Era tal o mito sobre esse procedimento que, apesar de terem feito uma única tentativa, o casal foi tomado por tamanha decepção quando esta fracassou, que interrompeu o tratamento. A impressão que tive foi que eles traziam dentro de si uma estatística falsa, irreal, sobre a eficácia da FIV, de modo que, se esperavam 100% de sucesso e este não veio, passaram a acreditar, da mesma manei ra mágica, que seu caso teria 100% de fracasso. Naquele momento, quando reuniam recursos e coragem para se arriscar novamente, vinha lhes uma palavra médica que apontava outro rumo.
Esse casal sumiu por cerca de quatro meses. No entanto, os dois retornaram, um pouco mais preparados para lidar com uma margem realista de sucessos e fracassos. Não tiveram êxito nas duas tentativas e acompanhei Marina desabar em choro, revelando um profundo desespero e queixando–se de impotência diante da vida. Ela ainda precisaria de muita coragem para encarar os altos e baixos do tratamento. Na terceira tentativa, houve um atraso menstrual e ela me ligou muito entusiasmada. Da ex trema felicidade, com o resultado positivo de um BHCG, mergulhou em sofrimento e desânimo quando, dois meses depois, teve um aborto. Que importavam para ela as estatísticas que reservam 15% de chance de aborto para uma gravidez, independente de qualquer doença preexistente?
Marina sentia–se definitivamente infértil e não era só ela que estava sofrendo. O casal passou por um período depressivo que durou cerca de três meses. Esse período – devo dizer–foi necessário, pois o casal precisava de tempo para chorar a perda daquele bebê, entrar em contato com o luto, elaborá–lo e reunir forças para mais um round.
Quando voltaram, propus que continuássemos de onde havíamos parado, com uma quarta Inseminação Intra–Uterina, já que tínhamos a certeza de que os espermatozoides e óvulos eram competentes e havia a possibilidade de acasalamento entre eles. No primeiro ciclo de tentativa desta nova fase, Marina engravidou. Desta vez não ficou tão entusiasma da logo no início. Tinha o tempo todo a sensação de que também poderia perder aquela gestação. Propus um acompanhamento psicoterápico para que os dois suportassem melhor aquele período de tanta ansiedade. Após quatro meses, Marina já sentia seu bebê mexer. Era uma menina, que ao nascer ganharia o nome de Vitória.
A espera e a incerteza
A infertilidade e assunto sério para um casal que deseja ter filhos. Tão sério que, se houvesse um meio de contorná–lo, pulando etapas, chegando a uma espécie de gravidez por “encomenda” à medicina, sem as incertezas que acompanham um tratamento de saúde reprodutiva, muitos casais prefeririam essa opção. Por isso, a associação entre infertilidade e bebés de proveta é tão imediata.
Entre as pessoas que esperam da ciência uma solução mágica, até glamorosa, como as vezes se mostra a FIV, estão aquelas que simplesmente têm medo do impacto que a convivência com a infertilidade por um período incerto terá sobre suas vidas. Procuram agarrar–se a uma solução capaz de poupa-los de uma fase mais difícil Terão que aceitar um diagnóstico e confrontar–se COM OS possíveis limites de seu caso. Ainda estão por saber se são capazes de dar ou receber do companheiro o apoio para a enfrentar frustrações nesse caminho. Aos poucos, esses casais descobrem que conhecer e aceitar as causas da infertilidade, assim como as possibilidades reais de tratamento, torna–os mais seguros, mesmo não sendo fácil chegar até lá.
Assim como o diagnóstico considera as condições reprodutivas de cada parceiro para apontar a forma mais adequada de se tentar a gravidez, a estratégia para o tratamento tem sua lógica apoiada nas melhores chances que o caso apresenta. Não se deve mudá–la no início do percurso, abandonando soluções mais naturais, menos invasivas, e apostando em saídas mais agressivas – a me nos que fatores inquestionáveis como idade avançada ou os impedimentos se veros já mencionados exijam que se queimem etapas.
Os procedimentos ideais em reprodução assistida têm um grau crescente de complexidade, cumpridos passo a passo, degrau por degrau, deixando opções mais radicais para os casos que de fato as exigem.!‘ Quando a primeira tentativa não tem o êxito desejado, é difícil passar por tudo isso. Nestes anos todos, tenho também percebido que as pessoas têm recursos emocionais mui to maiores do que elas próprias acreditam. Se estão se sentindo frágeis, eu não posso confirmar essa fragilidade substituindo condutas que demandam espera e maior tolerância por outras mais imediatistas que não seriam as mais adequadas (em termos de possibilidade de gravidez) para o momento em questão – o tratamento poderia resultar em fracasso, na medida em que não seriam buscadas alternativas mais corretas, passo a passo.
Cobrança, angústia e revolta
Livia teria que tomar bloqueadores hormonais por três meses, para dar um descanso ao organismo que começava a sofrer as consequências de uma endometriose. Depois, ela e Carlos teriam outros seis meses para tentar uma gravidez por meios naturais. O maior impedimento – uma pequena aderência da trompa esquerda, acabava de ser removido por meio de uma laparoscopia. Carlos tinha 36 anos, sete a mais que Livia, e poderiam se dar essa chance antes de recorrer a técnicas de reprodução assistida. Estavam casados há quatro anos. Tinham, teoricamente, toda uma vida pela frente. Mas enquanto tentavam encomendar um bebê à cegonha, quanto desgaste pareciam acumular em suas vidas!
Lembro–me do dia em que Carlos, enquanto estava a sós comigo, revelou o quanto estava sofrendo pessoalmente com a infertilidade. De família italiana numerosa, sem nenhum antecedente de esterilidade, era cobrado continuamente sobre quando finalmente iriam “contribuir” para a tradição da família. Como Lívia era portadora de uma endometriose, seus pais, de uma maneira velada, a culpavam pela ausência de filhos. A pressão tinha crescido de tal modo que os dois tinham diminuído a frequência das visitas a seus parentes. Mas agora era Carlos quem, de alguma maneira, responsabilizava Livia por este afastamento. Contou–me, enfim, que por várias vezes pensou em se separar.
Para Livia, por outro lado, a angustia vinha carregada de raiva. Frequentemente, se revoltava com tudo. Com Deus, com a natureza, com ela própria, com o marido, com a família, com a equipe médica – todos eram culpados pelo seu sofrimento. Chegava a ter medo da própria agressividade. Os dois também já estavam bastante afastados da ativa vida social que tinham antes. Nesse contexto, dá para imaginar a urgência de ambos, cada um com seus motivos, para que esse bebê viesse logo.
No entanto, como médico que conduz o caso, eu não poderia guiar me por essa carga de angustia, ainda que a compreendesse profunda mente. Após um ano sem gravidez, sugeri a eles a FIV. Felizmente eles ficaram “grávidos” na segunda tentativa e hoje já têm um filhinho
E impressionante a transformação das pacientes que, muitas vezes, chegam à primeira consulta com pavor até de setemn examinadas e, pouco a pouco, enfrentam procedimentos que vão exigindo cada vez mais autocontrole e tolerância. Tornam–se fortes, firmes e cada vez mais corajosas
As pressões envolvidas
É mais fácil atribuir a pressões externas o sentimento de cobrança que o casal experimenta em um tratamento demoracio de infertilidade do que percebê–las em si mesmo. Alguns pacientes, por exemplo, não conseguem lidar com a grande frustração do profundo desejo de ser pai e preferem, de um lado, projetar esse sofrimento nas cobranças familiares e, de outro, tentar fugir dele por meio da separação. Pensar em desmanchar um casamento nessas circunstâncias é comum, embora o desfecho, na maioria das vezes, não seja esse. Aos poucos vai ficando mais claro que vida conjugal não é necessariamente sinônimo de reprodução, embora seja um importante suporte que precisa estar solido para o casal que luta com a infertilidade
A preocupação financeira com o tratamento, por sua vez, tende a espelhar outras angustias. E mais fácil para as pessoas lidarem com o problema financeiro, dando um peso exagerado ao custo do tratamento, que é um problema socialmente aceito, do que enfrentar suas limitações pessoais. O índice de abandono do tratamento, mesmo de pessoas que não tem nenhum problema de ordem financeira ou estão se tratando em hospitais públicos gratuitos também é bastante elevado
Algumas vezes, as frustrações da incerteza e da espera no tratamento podem gerar sentimentos de culpa no casal. Ao se prolongar, essa frustração pode levar a uma depressão que, se for leve, caracteriza–se por sensações de tristeza, aborrecimento e amargor. Amigos e familiares não conseguem entender o que casal sofre, por que sofre, e tampouco por que evitam situações de convívio. Uma das explicações é que o casal gastar tempo com amigos da mesma idade porque estes podem estar na fase de batizar os filhos, comemore seus aniversários ou matriculá–los na escola, o que remete diretamente à incomoda questão da infertilidade. Junto com tal situação o casal também pode achar que está sendo cobrado pelo grupo. Fica mais fácil projetar no meio social essa cobrança do que admitir que ela é interna.
Quando a depressão é muito grave, ela exige tratamento médico. O mal estar caracteriza–se por alterações do humor, ideação pessimista, falta de pra zer com a vida, além de alterações do sono, da alimentação e da vida sexual. O casal passa a enxergar a vida em preto e branco.
Entre aborrecimentos menores e a depressão clássica, há o casal que co meça a ficar muito desagradável no convívio social — fica agressivo, isola–se e afasta as pessoas.
Outro tipo de resposta é a raiva, a não aceitação, que pode atingir qual quer um dos cônjuges e existir até entre eles.
Quem não vai ter filhos e admite isso, não sofre da mesma maneira, por que muda o rumo da vida. Mas quem continua perseguindo o bebé, fica para do na própria existência. O próximo passo de vida na cabeça desse casal é a gravidez. Então, não se dá mais nenhum passo, antes que ela aconteça.
Infelizmente, as pressões geradas pela realidade da infertilidade impactam não apenas as relações sociais, mas também a relação conjugal. A fertilidade é simbolicamente associada ao sexo. Quando fica claro o problema em um campo, o outro também pode ser afetado. Consequentemente, muitos casais se distanciam sexualmente, passando a achar pouco prazeroso estarem juntos.21
Custos psicológicos e emocionais de uma FIV
A principio, ninguém acha que o tratamento da infertilidade seja um sofri mento. A sensação só aparece quando a primeira tentativa é frustrada.
O cansaço psicológico
Maria Emília teve um aborto espontâneo do terceiro para o quarto mês de gravidez. Foi necessário fazer uma curetagem, procedimento dificílimo nessa fase, pois o útero está muito grande. Como resultado, ela teve uma infecção que lesou suas trompas, a direita completamente e a esquerda apenas parcialmente.
Mais tarde, Maria Emília desenvolveu uma gravidez na trompa restante e foi obrigada a extrai–la. Foi quando seu ginecologista, que a acompanhara desde o inicio dos problemas, a encaminhou para mim para que fizesse uma fertilização in vitro.
Para o melhor aproveitamento dos óvulos seria necessário adiar o tratamento por alguns dias. Diante disso, Maria Emília teve uma crise emocional e disse estar cansada de sofrer fisicamente: tivera um aborto, fizera uma curetagem e estava tomando injeções. Seu cansaço, demonstrado ali, não era físico e sim psicológico. O diabético poderá precisar tomar injeções a vida inteira. Do ponto de vista físico, uma curetagem é menos do que quebrar um pé. Perder dois filhos, no entanto, é uma experiência muito dolorosa,
rios motivos, a maioria de ordem emocional, poucos são os casais que aguentam mais do que quatro ou cinco tentativas de FIV. É necessário que o casal de mostre grande estruturação e equilíbrio internos para que o tratamento da infertilidade tenha sucesso.
Particularmente, há sempre uma grande expectativa em relação à fertilização in vitro, o que acarreta um alto grau de ansiedade ao paciente. O esterileuta deve sempre considerar isso nos casos em que o método é real mente necessário.
A primeira fase do tratamento e a animação antes da festa. A festa é a fertilização do óvulo e a transferência do embrião. A paciente vai ao médico, conversa e começa a tomar as injeções. Durante essa espera, gera–se uma grande euforia que pode transformar–se em depressão caso o tratamento não dê certo.
A importância do acompanhamento psicoterápico
O acompanhamento psicoterápico pode não ser necessário para todos os pacientes, mas é aconselhável em alguns casos. A razão disso é que, como já vimos, a dificuldade de ter filhos pode ter reflexos na estabilidade emocional do casal ou de um dos parceiros. Muitas mulheres já tem a auto–estima compro metida quando iniciam o tratamento.
Outra razão para que o acompanhamento psicoterápico seja indicado é a grande possibilidade de abandono do tratamento pelo cansaço emocional e não pela impossibilidade de sucesso. Por serem cumulativas, as chances de gravidez aumentam a cada ciclo com o tempo de tratamento. Isto é um fato inquestionável, mesmo para casais sem problemas reprodutivos que tentam por alguns meses até conseguir a gravidez. No entanto, para se dar essa chance aumentada, o casal que está em tratamento precisa lidar melhor com o tempo de tratamento e compreender que ele corre a seu favor, desde que cada ciclo seja aproveitado como uma nova e mais promissora oportunidade
Quando se sabe que há um problema a ser superado, não e fácil controlar a ansiedade e a frustração geradas por tentativas fracassadas logo no inicio do tratamento. Com um profissional dando suporte psicológico ao casal, especialmente a mulher, os parceiros podem lidar melhor com suas expectativas e, assim, ampliar sua chance acumulada de sucesso.
Um médico experiente sabe quais pacientes estão suportando melhor o estresse e quais estão desinoronando pela dificuldade em lidar com a situação da infertilidade ou com o tempo de tratamento,
Além de contribuir para o bem–estar dos pacientes e ajudá–los a não desistir cedo demais, há outros motivos para a indicação do acompanhamento psicoterápico. Entre eles, o fato de que começa a surgir uma nova forma de investigação sobre o estresse e a implantação uterina. Um estudo recente mostra que pacientes muito estressadas apresentam menor taxa de sucesso no procedimento de implantação de embriões porque possuem uma secreção anómala de determinada célula imunológica. E o primeiro grande trabalho científico sobre o assunto. Talvez no futuro se conclua que um apoio psicológico prévio ao tratamento seja fundamental para mulheres que estejam emocionalmente esgotadas pelo sofrimento com a esterilidade.”
A prática diária no consultório também mostra que mulheres que partem para os procedimentos de FIV já desgastadas emocionalmente não costumam fazer mais do que uma tentativa. Não suportam a ideia de tentar de novo e acabam atribuindo a culpa ao médico, a equipe ou ao destino.