EM 1998, UM CASO MUITO RADICAL de uso das técnicas de reprodução assistida chamou a atenção da comunidade médica, dos meios jurídicos e da imprensa no Brasil e no mundo. Um casal de cidadãos norte–americanos, ao se deparar com o diagnóstico de infertilidade definitiva, percebeu que, combinando diversas técnicas de reprodução assistida, poderia planejar a chegada de um bebê.
O homem tinha graves deficiências na qualidade do espermatozoide e sua única saída viável seria recorrer a um banco de sémen. A mulher tampouco tinha óvulos para a fecundação e decidiu utilizar uma ovodoadora. Havia mais um impedimento para a gravidez: a mulher não poderia gestar o bebê em seu próprio útero. Então, o casal providenciou uma voluntária para a gestação, por meio do método conhecido como barriga de aluguel.
A despeito de tantos agravantes, os meios escolhidos pelo casal foram empregados durante o processo de reprodução assistida e, finalmente, nasceu o bebê.
O caso e todas as implicações éticas que suscitava poderiam ter passado sem maiores repercussões, não fosse por desdobramentos posteriores. O casal, à época do nascimento da criança, decidiu se separar e a guarda do filho transformou–se em assunto para a justiça. Ao ser informado de todo o processo pelo qual se deu a gravidez, o juiz sentenciou que a criança não tinha pais. Se foi ou não a decisão mais acertada, talvez apenas as pessoas diretamente envolvidas possam avaliar. No entanto, o que se coloca para a comunidade médica, do ponto de vista ético, é a validade do uso dos recursos de que a ciência dispõe hoje em qualquer caso onde tecnicamente possam ser empregados.
Ainda que, ao contrário do que aconteceu, o casal tivesse uma relação estável e duradoura, sua opção extrapolou os limites éticos que orientam a reprodução assistida, beirando a manipulação diversionista da vida humana e, no mínimo, constituindo–se em uma atitude de arrogância. Se a criança pode ria ser biologicamente de mãe e pai desconhecidos e gestada por uma terceira pessoa, que diferença havia entre o procedimento escolhido e um processo normal de adoção, a não ser o desejo de controlar todas as etapas que levaram ao nascimento?
Assim como esse caso, outras situações levadas as clínicas de esterilidade exigem do especialista sua própria interpretação dos códigos de ética que regem a área da reprodução humana. Além disso, diante da falta de legisla cão para o uso de muitos recursos inovadores criados pela ciência, muitos casos ainda sem jurisprudência chegam à Justiça para serem resolvidos. Um dos assuntos que tem criado polêmicas e interpretações divergentes em diferentes países é a possibilidade de se promover a gravidez de mulheres solteiras que não tenham um parceiro fixo para assumir a paternidade da criança. A gravidez de casais que não têm nem desejam uma relação estável também é questionável.
A clonagem é outra questão que tem sido cada vez mais discutida pela mídia, pelos médicos e pela sociedade de diversos países. A possibilidade de unir uma célula não sexual a um óvulo sem núcleo é o principio desse procedimento que certamente despertará interesse nos casais que não conseguem produzir seus próprios gametas. Entretanto, a clonagem esbarra em problemas não apenas éticos, mas também de ordem técnica e legal.
Do ponto de vista técnico, o procedimento vem mostrando baixíssima eficácia em animais e apresentando altas taxas de aborto, más-formações e mortes intrauterinas e pós–natais. Do ponto de vista ético, o debate ainda vai permanecer aberto por muito tempo. Aqueles que atacam o processo de clonagens veem o perigo da “fabricação” de indivíduos sem personalidade e do uso da clonagem para fins políticos escusos. Aqueles favoráveis se baseiam no fato de que a restrição do uso da clonagem impede casais que não podem gerar filhos de serem assistidos corretamente. Portanto, essa questão ainda é muito prematura em nossos conceitos éticos e precisa ser discutida mais a fundo!
Para concluir, em qualquer situação, as normas éticas devem ser interpretadas como condicionantes para que as técnicas de reprodução assistida sejam empregadas para beneficiar casais que se declarem dispostos a se apoiar mutuamente na criação e na formação de um ser humano. Hoje, surgem cada vez mais noticias de pessoas sozinhas ou casais homossexuais que reivindicam também o direito de assumirem filhos, seja pela adoção, pelo auxilio de doadores ou da barriga de aluguel, ou ainda pelo uso de qualquer das técnicas de reprodução assistida. São temas nos quais os códigos de ética ainda terão de se aprofundar.