POR MUITO TEMPO, O MELHOR QUE a medicina podia fazer por um casal com dificuldades reprodutivas era tratamentos clínicos ou cirúrgicos isolados, na mulher ou no homem, mas o arsenal de recursos era limitado e não beneficiava pessoas com impedimentos severos de fertilização. Foi uma verdadeira revolução no atendimento à infertilidade a chegada dos indutores de ovulação.
Eles se revelaram, primeiramente, como uma ajuda poderosa para a promoção da gravidez por meios “quase naturais. Com esses medicamentos, foi possível aumentar a produção de óvulos num mesmo ciclo e criar a técnica mais simples de reprodução assistida: a indução da ovulação com datação do coito. Era só o começo de grandes mudanças. Mais tarde, a indução seria asso ciada a novas tecnologias, como a ultrassonografia intravaginal, o tratamento das células reprodutivas em laboratório e diferentes técnicas de fertilização, permitindo o surgimento de tudo que se conhece atualmente em termos de reprodução assistida.?
Daí a importância da indução de ovulação: todos os tratamentos de reprodução assistida dependem dela para maximizar as probabilidades de êxito e viabilizar a concepção de uma nova vida. Para entendermos melhor como a indução funciona, vamos analisar o eixo sexual feminino e seu comportamento hormonal.
Os indutores de ovulação
Imagine como era difícil, nos primeiros tratamentos de infertilidade, contar com um único óvulo disponível para a fecundação a cada ciclo. Técnicas para colher e fertilizar esse óvulo em laboratório dependiam de toda a sorte do mundo. Ao ser retirada do corpo feminino, uma célula reprodutiva pode perecer ou, simplesmente, não estar em condições favoráveis à interação com o espermatozoide. Nesse caso, nada restava senão esperar outro ciclo e torcer para o tratamento dar certo. Inseminações também tinham uma margem bem menor de sucesso. Introduzidos no útero, os espermatozoides teriam que encontrar aquele único óvulo, na trompa de Falópio, receptivo à fecundação.
Os indutores de ovulação, que passaram a ser utilizados na década de 60, trouxeram boas novas para os casais inférteis. Pelo menos a oferta de óvulos, a cada ciclo, poderia aumentar bastante, com esses medicamentos de ação hormonal. E a partir daí, as chances de se obter uma fertilização com trata mentos, tornaram–se muito mais animadoras.
Além de favorecer resultados, os indutores também ajudaram a descobrir problemas ovulatórios que muitas vezes ficavam disfarçados por uma menstruação aparentemente normal. Quantas e quantas mulheres ficaram sem diagnóstico, por terem desvios de ciclo tão discretos que os médicos não conseguiam detectar. Na época, as medições hormonais eram de difícil execução. Era mais fácil tratar uma mulher com menstruação muito irregular, porque era óbvio que havia algum distúrbio ovulatório, do que aquelas sem sintomas aparentes. Como substituem hormônios naturais do eixo sexual, os indutores ajudaram a desvendar pequenas falhas do ciclo.
Um dos estimulantes de ovulação que surgiram na época, o citrato de clomifene, ainda é frequentemente utilizado por ginecologistas, pelo baixo nível de efeitos colaterais. Não quer dizer que seja a opção mais recomendada em tratamentos.
A grande dificuldade de se mexer com as drogas de indução de ovulação está exatamente em saber contornar e lidar com a expectativa dos seus resulta dos, com o necessário controle que permita interromper o processo antes de um efeito colateral forte ou indesejado. O citrato de clomifene, que estimula o hipotálamo a produzir mais hormônios (estimulando a hipófise e, consequentemente os ovários), reduz essa margem de riscos, embora não elimine a possibilidade de gravidez múltipla. Chega a ser vendido em algumas farmácias sem prescrição médica, para mulheres que nem sabem qual é seu grau ou causa de infertilidade. Há até farmacêuticos que recomendam o medicamento se guindo uma lógica simplista e equivocada: se ele vende pílulas para a mulher quer um remédio para não engravidar, então pode vender o citrato de clomifene, que é uma droga contra a infertilidade, se a “freguesa” está tentando engravidar. Age como se uma coisa fosse o contrário da outra, mesmo que a maioria das mulheres que se medicam por conta própria não consiga a gravidez. Naturalmente, não é a isto que o esterileuta chama de processo de indução, que combina medicamentos diferentes durante as fases do ciclo, com medidas e frequência altamente personalizadas, e sempre baseadas em um diagnóstico prévio e seguro.
Administrando os recursos para uma indução adequada
O arsenal terapêutico para um processo de indução não é tão grande quanto sugerem as diferentes formas de combiná-los e dosá-los. Eles se dividem em anti-hormônios, pré-hormônios e hormônios. Além do citrato de clomifene (pré-hormônio), existem as gonadotrofinas, que podem ser mais ou menos purificadas, mas que não passam de hormônios iguais aos produzidos pela hipófise. Antigamente, a gonadotrofina, hormônio que estimula as gónadas, era somente retirada da urina da mulher menopausada. Hoje já se usa uma gonadotrofina absolutamente sintética, feita através de engenharia genética. Esse medicamento, via de regra, somente é prescrito por especialistas, visto o grande espectro de efeitos colaterais que pode ocasionar se o uso não for bem acompanhado durante o ciclo.
Para receber gonadotrofinas em forma de medicamentos, o ciclo hormonal da mulher deve estar sendo controlado e bloqueado artificialmente, o que exige uma outra droga durante o tratamento, um análogo do hormônio GnRh. Dependendo da prescrição, os análogos do GnRH podem estimular ou bloquear o ciclo menstrual. Quando são utilizados para inibir o ciclo, são chama dos de anti-hormônios. Basicamente são esses os remédios utilizados num Processo de indução para FIV. A forma como serão empregados, dependerá sempre da compreensão da fisiologia da paciente.
Conhecido o diagnóstico e respeitadas as características da mulher, as doses e os dias para os indutores também variam de acordo com a quantidade de óvulos que se quer. Não se pode prever com exatidão de que tamanho será a safra de folículos, mas é possível trabalhar com certos limites e regular as doses de indutores durante o tratamento de forma a impedir uma produção exagerada, que seja prejudicial para a mulher ou para os planos de uma gravidez segura. Por isso, o uso de indutores sempre deve ser feito com acompanhamento de um especialista. Pode–se dizer que a qualidade da uma indução, totalmente regulada de acordo com as respostas hormonais de cada paciente, é o ponto alto de um tratamento de infertilidade, aliado a um bom laboratório de gametas. Ao final da medicação, a produção de óvulos precisará corresponder, dentro do possível, à expectativa do tratamento. E isso será determinado em cada etapa de monitoramento médico das doses dos induto res e resposta dos ovários.
A indução programada para permitir uma inseminação artificial é diferente daquela que se faz pensando na coleta de óvulos a serem fertilizados em laboratório. Para as mulheres que buscam uma ou outra alternativa, essa diferença não é tão perceptível. A gama de drogas e a associação em doses, horários e dias (diferentes para cada caso) será adaptada de tal maneira que possa “imitar” a natureza da paciente, fazendo chegar as glândulas o hormônio certo na hora certa, só que com o objetivo de uma produção aumentada de folículos Aumentada até quanto? Ai é que entra a diferença.
Dois óvulos para a inseminação
Para a paciente que vai tentar a gravidez com indução associada a uma datação do coito, ou para aquela que vai submeter–se a uma inseminação artificial, o que se pretende é só um óvulo a mais. O segredo está em partir para a superovulação com as gonadotrofinas – que estimulam os ovários. A maturação de um deles para a fecundação sinaliza de que os outros também se desenvolveram. E como a fecundação ocorrerá dentro do corpo da mulher, seja pela relação sexual, seja pela introdução de sêmen diretamente no útero, o médico não terá controle de quantos embriões estarão se formando. Ai, o risco de uma gravidez múltipla é muito grande?
Para estes dois tipos de tratamento, bastam aproximadamente dois óvulos de boa qualidade. Por isso a paciente não deve desanimar se, na indução para a inseminação, o médico recomendar que ela seja suspensa naquele ciclo e tentada no ciclo seguinte, justamente porque seus ovários produziram óvulos de mais. É uma precaução necessária para evitar trigêmeos, quadrigêmeos ou mais bebês de uma vez só. Um bom especialista pode evitar ao máximo esse risco. Sem usar o bloqueador – análogo de GnRh- no começo do ciclo, os folículos crescerão sem muita homogeneidade de tamanhos. As gonadotrofinas ajudarão os maiores a amadurecer depois do quinto dia. Havendo dois maduros, no meio do ciclo, uma determinada dose de hormônio vai estimular que esse folículos se abram, liberando os dois óvulos, que serão recolhidos pelas trompas. A partir dai, resta torcer para que a fecundação natural de um deles ocorra. Se, pelo ultrassom, o médico percebe que os ovários produziram mais de dois folículos bons, terá a sensatez de deixar a inseminação para um próximo ciclo. O casal quer um bebê. Melhor não arriscar a chegada de trigêmeos, além de uma gravidez de grande risco tanto para chance de aborto quanto de prematuridade.
A fertilização in vitro precisa de mais óvulos
No caso de uma fertilização in vitro ou outras técnicas de fertilização em laboratório, a indução muda bastante. Desta vez, não estamos preocupados em manter uma produção mais limitada dos ovários para prevenir uma gravidez múltipla. Queremos o contrário: vários óvulos para que, na hora da transferência, não faltem embriões. Dependendo da idade e condições físicas da paciente, de dois, três ou quatro (a lei determina quatro no máximo) embriões formados serão transferidos para o útero,
Ao programar os indutores para uma FIV, o casal e o médico têm duas possibilidades: tentar estimular o crescimento aproximado de seis a oito bons folículos, considerando que haverá também algumas perdas durante o pro cesso, ou produzir ainda mais e congelar uma parte dos embriões para uma outra tentativa, caso necessária. A segunda escolha só será feita se o médico contar com um bom serviço de congelamento ou vitrificação embrionária e se o casal concordar com esse procedimento. Embora pareça uma garantia de que, se a primeira tentativa não der certo, uma segunda será mais fácil, já que os embriões estarão guardados em containers de nitrogênio liquido. E importante para o casal considerar que as chances de sucesso com embriões congelados são um pouco menores do que no caso de gametas não submetidos a este processo laboratorial.
Para chegar a essa safra maior de folículos, mais uma vez o análogo de GnRh será determinante. Agora, é obrigatório bloquear o ciclo, recorrendo a esse medicamento. Assim, quando as gonadotrofinas entrarem em ação, a maioria dos folículos que brotarem dos ovários crescerá no mesmo ritmo, com o mesmo tamanho. As doses de indutores irão regular esse crescimento para que estejam no ponto certo, na hora certa. Será então o momento para tomar os hormônios que provocarão a liberação dos óvulos. Estes serão recolhidos pelo médico antes que o ovário os libere. E importante lembrar que, assim como as mulheres respondem de forma diferente à indução, também é relativa a capacidade de cada organismo para produzir a quantidade de óvulos almeja da e com a qualidade necessária. Tudo isso determinará o sucesso do trata mento e o número de embriões disponíveis para uma transferência.
O processo endocrinológico de indução da ovulação
Como já vimos, Os medicamentos chamados análogos de GnRh têm a capacidade de bloquear todo o ciclo menstrual. Eles deixam a zero a produção de gonadotrofinas e, sem ela, os outros hormônios do eixo sexual feminino também não são produzidos. Neste estado de bloqueio deve estar a mulher para um tratamento voltado à FIV. E como se os comandos naturais do eixo sexual fossem temporariamente desprogramados e uma outra programação, muito semelhante – só que monitorada pelo médico, fosse acionada naquele ciclo. Para baixar o estrogênio, existem duas possibilidades. Uma é esperar a chega da da menstruação, que naturalmente corresponde a uma baixa hormonal, e receitar o análogo para a paciente. O remédio neste caso vai manter bloqueada a produção natural dos hormônios, que será substituída pelas doses prescritas e controladas pelo médico. A outra forma é usar o análogo já antes da menstruação, para ajudar o organismo a baixar sua produção, e continuar com o medicamento depois. Os análogos, que muitas mulheres confundem com os indutores, servem só para isso: inibir o processo natural, para que toda a ovil lação seja orquestrada de fora para dentro.
É durante o inicio do ciclo que o ovário faz emergir, em sua superfície, as pequenas cápsulas ou “folículos” dentro das quais os óvulos irão crescer e amadurecer durante a primeira metade do ciclo. Se os ovários forem bastante estimulados pelos hormônios, poderão produzir mais folículos. Se houver hormônio de menos, menor será o número de óvulos. Por isso, é nos primeiros cinco ou seis dias, em plena menstruação, que entram em cena as doses de gonadotrofinas destinadas a induzir a ovulação. Para uma FIV, os indutores nos primeiros dias são fundamentais para garantir uma boa quantidade de óvulos. Depois, continuarão sendo empregados para ajudar a amadurecer aqueles que já brotaram.
Da primeira dose de indutores até o momento da coleta de óvulos, médico e paciente trabalham em constante colaboração. A mulher deve estar disponível para retomar ao consultório até de um dia para o outro. O médico precisa estar a postos porque qualquer variação indesejável no crescimento do ovulo significa que as doses de medicamento devem ser alteradas. Tudo isso é acompanhado visualmente, por ultrassom, e, em alguns casos com dosagens hormonais, e é uma das fases que exige mais experiência do esterileuta. O crescimento do óvulo deve cumprir uma “curva“, com aumento menos acelerado em certos dias e mais acelerado em outros. Tudo depende de quanto hormônio está em ação no corpo da mulher e de que forma está agindo. Na regulagem das doses, são consideradas também as características da mulher, como idade, peso, condições gerais de saúde. Mas para saber se o folículo está cumprindo a curva de crescimento, só mesmo observando, em pequenos intervalos de tempo. Se estiver crescendo depressa demais, as gonadotrofinas são reduzidas. Se for de menos, aumentam–se as doses. Dosagens de hormônios, através de exame de sangue, também são indicadores para regular a ad ministração da gonadotrofina. 10
Quando a ovulação é orquestrada pela natureza, lá pelo meio do ciclo menstrual soa um alarme hormonal que faz os folículos, já maduros, se abri rem e liberarem o óvulos. Com a indução procura imitar a natureza, ela também promove esse alarme, acrescentando–se ao tratamento, no momento certo, o hormônio capaz de acionar os folículos. Aqui não se pode errar: a chegada do hormônio ao organismo significa que, em até dois dias, os óvulos serão liberados. Por isso, devem estar no ponto certo de maturação. O fato de se ter controlado, desde o início do ciclo, todo o processo de ovulação, oferece uma vantagem para quem faz a l’IV: os folículos que emergem nos ovários sob o estimulo do indutor crescem mais ou menos na mesma velocidade natural, chegando juntos ao estado de maturação. Isso não ocorre num ciclo natural, CII que vários folículos afloram mas apenas um chega ao meio do ciclo em condições de ser fecundado.
As chances de uma gravidez múltipla
Ganhar mais de um bebé, após muito tempo de espera por uma gravidez, pode ser alegria redobrada para um casal. L um risco que, para alguns, vale a pena correr. Mas é um risco. E não pode ser desconsiderado. As chances de uma gravidez múltipla aumentam, como se viu, em razão do uso de medicamentos indutores da ovulação. Se, na concepção natural, a ocorrência de gravidez múltipla é da ordem de uma em oitenta, na indução da ovulação – que faz parte de qual quer método de concepção assistida – o índice é de uma em cinco. Os especialistas em reprodução humana estão sempre atentos essa margem de risco e têm condições de interferir preventivamente, já que a ovulação e monitorada e, na fertilização em laboratório, o número de embriões transferidos é limitado.
A importância de se tentar evitar gestações múltiplas como trigêmeos quadrigêmeos etc está no fato de que quanto maior o número de bebês em gestação, maior a probabilidade de complicações obstétricas como aborto e prematuridade.
É conduta bastante prudente, a interrupção da estimulação ovariana quando há folículos demais em crescimento no corpo feminino, tornando grande a possibilidade de uma hiperestimulação ovariana, a tentativa inseminação artificial ou datação do coito deve ser simplesmente descartada naquele mês. Em alguns países são utilizadas também técnicas para redução de embriões ainda na fase inicial da gestação, o que passa por avaliação médica e por decisão tomada em conjunto com o casal.