COMO EM QUALQUER TRATAMENTO MÉDICO, a escolha do profissional e o processo de diagnóstico são fundamentais para o sucesso da jornada em busca da fertilidade. Neste capítulo, abordaremos a formação e a função do médico especialista em reprodução – o esterileuta – para então apresentarmos aspectos gerais do processo de diagnóstico das causa da infertilidade.
A formação do esterileuta
Esterileuta é um médico, via de regra formado em ginecologia, que durante sua formação dedicou–se com maior preocupação às áreas de endocrinologia, microcirurgia, laparoscopia e histeroscopia
Além disso, para a formação do esterileuta é necessária a compreensão da fisiologia do aparelho reprodutor masculino e sua interação com o aparelho feminino, assim como um profundo conhecimento do espermatozóide e de sua íntima relação com o óvulo.
O esterileuta é o médico que vê a infertilidade como um único problema, seja ele do homem, da mulher ou resultado de características combinadas de ambos os parceiros. A concepção de diagnóstico do esterileuta considera a parceria do casal como uma somatória de pequenos obstáculos que, se possível, devem ser vencidos um a um. Caso contrário, devem ser propostos tratamentos mais direcionados às características do problema como um todo.
Não podemos nos esquecer que a fertilidade é a união de dois fatores, o masculino e o feminino, mas deve ser vista e tratada dentros de uma única especialidade. Enxergar o problema da infertilidade como um problema isolado, quer seja do homem ou da mulher, significa perder uma série de diagnósticos da interação espermatozoide óvulo que podem ser fundamentais para o sucesso do tratamento.
Após o grande avanço das técnicas de reprodução assistida – fertilização in vitro – a partir da década de 1980, o tratamento da infertilidade passou a ser praticamente um atributo exclusivamente do esterileuta, embora muitos dos que fazem o procedimento não tenham formação completa na área de Reprodução Humana.
Em resumo, o esterileuta tem de possuir o conhecimento de um bom clínico, a habilidade de um cirurgião plástico e a sensibilidade de um psiquiatra.
As opiniões divergentes
Quando decide ir ao consultório de um esterileuta, o casal muitas vezes já passou por outros médicos –– muitas vezes especialistas de outras áreas que não a reprodução humana. Portanto, é importante que o casal tenha consciência de sua tendência de considerar a experiência que tivera com outros profissionais, procurando estar aberto às opiniões do esterileuta..
Também é bastante frequente que o paciente busque a opinião de mais de um especialista ou esterileuta. Muitas vezes, já ouviu vários diagnósticos e chega a um ponto de trazer um verdadeiro histórico de seu caso. Ele já ouviu proposições diferentes sobre sua condição e, por isso, já chega um pouco desconfiado. A culpa, no entanto, não é nem do paciente e, possivelmente, nem do especialista. Na realidade, os caminhos de tratamento dependem da experiência adquirida pelo esterileuta.
Existem várias formas de se obter resultados. Em casos dúbios, a opção pode estar entre dois ou três tipos de tratamentos e cada especialista se orienta pelo caminho que lhe parece mais seguro ou eficaz. Ao mudar de médico, o casal também leva os conhecimentos que adquiriu e, mesmo sem muito embasamento, tem a sua própria visão de como deve ser tratado, não raro apresentando dificuldades em aceitar um caminho diferente, ainda que sua esperança esteja depositada ai. É importante que, ao procurar um novo profissional, o casal esteja disposto a considerar novas opiniões divergentes.
A importância de um diagnóstico seguro
Quando um casal procura o esterileuta, não é raro sentar na frente do médico com a cabeça cheia de confusões entremeadas com certezas adquiridas durante a avaliação dos exames pedidos pelo ginecologista ou o urologista. Aí começa a primeira etapa do trabalho do esterileuta, que é fazer a releitura desses exames e interpretar suas sutilezas em busca de pistas para um diagnóstico mais preciso. O esterileuta, nessa fase inicial, torna–se o doutor dúvidas. Seu olhar primordial será sempre carregado de hipóteses. Mesmo que o ultra–som mostre uma imagem clara, ele vai se perguntar qual é a possibilidade do exame estar certo ou em que caso desconfiar dos números revelados pelo espermograma,– exame que faz a contagem dos espermatozoides.
Um exemplo típico aconteceu comigo em 1993. O casal chegou ao consultório com uma esterilidade de dois anos e sem diagnóstico claro. Ela tinha dosagens hormonais alteradas e não ovulava. Apesar de já terem decidido pela FIV, resolveram consultar mais de um médico. A partir de novos exames, começaram a considerar a proposta de tentar uma inseminação. Na primeira tentativa ela ficou grávida, sem a necessidade de usar métodos mais invasivos
Outra paciente veio com uma radiografia que indicava a presença de aderências sugestivas de uma endometriose, o que estaria impedindo sua gravidez. Ela já tinha em mente a possibilidade de fazer uma cirurgia trans laparoscópica para soltar as aderências e restabelecer sua fertilidade. Seu marido, disposto a cumprir todas as etapas do tratamento, inclusive refazer alguns exames, teve uma surpresa na segunda consultar seu espermograma revelou espermatozoides em baixa quantidade e com baixíssima motilidade. A nova informação mudou todo encaminhamento do caso. O tratamento com melhor taxa de gravidez seria a FIV, que não depende da trompa, dispensando a correção da mesma por laparoscopia.
Como vimos nos casos que acabaram de ser citados, não se pode optar por um tratamento sem o diagnóstico seguro. Parece óbvio, não é mesmo? E é.. Trata–se de uma regra básica para qualquer tratamento médico e que deve ser absolutamente respeitada no tratamento de infertilidade. Negligenciá–la pode significar a diferença entre o sucesso e o fracasso da tentativa de se ter um bebê.
Na prática, isto quer dizer que o médico vai se transformar primeiramente le em um detetive meticuloso e depois em um promotor obstinado em busca de provas. Por exemplo, se lim primeiro exame revela que a mulher apresenta baixas doses do hormônio feminino progesterona em um ciclo, o médico deve checar essa informação realizando novos exames até reunir provas para concluir que essa alteração determina a falta de ovulação. Cabe ao especialista, portanto, imaginar inúmeras possibilidades e questionar quanto puder a informação para situá–la no contexto certo. Nesse caso em particular, caberia ao médico, por exemplo, perguntar–se se o exame não pode ter sido realizado em um ciclo olímpico, em que a mulher não teve uma ovulação que produzisse boas quantidades de progesterona. O médico sempre deve testar todas as variáveis antes de iniciar um tratamento, podendo, muitas vezes, tratar a causa do problema, dispensando métodos de fertilização desnecessários.
Embora a atitude correta seja buscar a confirmação dos exames, isso pode criar situações delicadas no consultório. Isso porque o diagnóstico pode sutilmente trazer à tona os conflitos gerados pela diferença de expectativas do médico e do paciente. E evidente que para muitos pacientes nem sempre é fácil entender as dificuldades do especialista, que pede a repetição de um exame, depois opta por checar novamente a dosagem de determinado hormônio. A busca de quem procura um tratamento é o resultado definitivo, breve, algo que alivia a angústia de um problema inexplicado em busca de solução. No entanto, a lógica do médico não é matemática. Em infertilidade, dois e dois não viram trës e tampouco somam quatro.
O processo de diagnóstico
Quando os parceiros vão juntos ao esterileuta, a investigação no primeiro mês é básica, mas abrangente. Exames hormonais na mulher e o espermograma do homem são o ponto de partida. Em seguida, pode vir a biópsia do endométrio. Passada a menstruação, é hora da histerossalpingografia – exame que permite verificar as condições das trompas –, que só dispensável ou adiável quando o espermograma aponta problemas masculinos muito claros. Nesse caso, serão Os exames masculinos que começarão a se aprofundar. (As características de todos esses exames serão abordadas em capítulos posteriores.)
Cada exame tem inúmeras variáveis de acordo com o funcionamento do organismo. Não se trata de circunstâncias estanques. Não se pode fazer uma histerossalpingografia em qualquer dia. Ela deve ser feita logo depois que o sangramento termina. Em um ciclo menstrual, já é possível identificar muita coisa e no máximo em dois ciclos obtem–se o diagnóstico completo.
Não é preciso que a mulher espere seu ciclo menstrual terminar para ir à consulta com o esterileuta Pelo contrário, o melhor é aproveitar a oportunidade, pois o médico poderá ter certeza das fases do ciclo e pedir os exames com maior precisão. Até pouco tempo atrás, costumava–se investigar os desequilíbrios reprodutivos femininos na segunda metade do ciclo, após o momento da suposta ovulação, quando os hormônios indicam se houve ou não ovulação. Hoje os procedimentos mudaram. Muito do que acontece na segunda fase é reflexo de problemas na primeira, sendo necessária uma abordagem integral para um bom tratamento.
Desvendando o quebra-cabeça
Um quadro muito comum nos consultórios de reprodução humana é o da mulher que não tem uma ovulação com altíssima qualidade de fecundação – seja por seu estímulo inicial no óvulo ou por interferências de outros hormonios ou fatores – com um homem que, por sua vez, não possui sêmen com motilidade ou em quantidade bem acima dos padrões normais. Trata–se de um perfil relativamente frequente e, felizmente, sem grandes complicações. Em situações desse tipo, no meu entender, não há motivos para partir imediatamente para uma fertilização in vitro sem anles experimentar alguns recursos na tentativa de corrigir o perfil hormonal e a ovulação. Tudo isso, é claro, considerando–se a expectativa do paciente.
No entanto, o que fazer se o casal, já esgotado de fase diagnóstica, vem buscando um tratamento rápido, com técnicas ultra–sofisticadas? Opta–se pelo high–tech? Tenta–se repetir exames? Esta é uma situação que devemos discutir com bastante calma e profundidade, buscando descobrir qual o método que irará a melhor taxa de gravidez a médio prazo. Nesse tipo de situação, é importante que o casal procure obter o máximo de informações sobre sua situa ção para que possa tomar a melhor decisão junto com o médico.
O Diagnóstico Feminino
Exame e Quando é realizado
Avaliações hormonais: FSH, LH, Prolactina e Estradiol
Entre o 2o e o 44 dia do ciclo menstrual
Histerossalpingografia
Logo após o término da menstruação
Entre o 74 e o 16% dia do ciclo menstrual
Acompanhamento ultrasonográfico da evolução do folículo:
Biopsia do endométrio
Entre o 22° e o 24o dia do ciclo menstrual
Tese pós–coito
Acompanhamento com avaliação do muco cervical a partir do 10 dia do cido, realização do exame no momento em que as condições do muco forem favoráveis
Dosagem de progesterona
Entre o 22 e o 249 dia do ciclo menstrual
O Diagnóstico Masculino
Exame e Quando é realizado
Espermograma
Após período de abstinência sexual seme Ihante ao do casal
Espermocultura
Solicitada junto com o espermograma
De fato, discute–se muito, dentro da especialidade de reprodução huma na, se o especialista deve esperar para fazer a fertilização in vitro ou partir logo para esse método. A fertilização in vitro (FIV) tem uma taxa de sucesso de aproximadamente 30% por tentativa. No entanto, quando o procedimento da fertilização in vitro não dá certo, o casal pode ficar muito abalado, entender o assunto como um prognóstico fechado, abandonar o tratamento e ter a vida marcada por essa frustração. Por isso, alguns esterileutas só escolher o método da FIV quando ele é realmente necessário. A sensibilidade e as condições dos parceiros não são um dado secundário nessa questão.
Não são poucos os casos em que a busca de soluções anteriores e oportuna. São frequentes situações de casais prestes a optar pelo bebê de proveta e descobrem, graças a novos exames, que podem recorrer a soluções mais racionais, como a realização de procedimentos menos agressivos. Foi o caso da mulher que desistiu da FIV para submeter–se a uma laparoscopia para retirar as aderências das trompas e, três meses depois, conseguiu engravidar. Ela teve uma grande vantagem porque resolveu seu problema pela raiz. Além disso, livrou–se de dores que foram sanadas com a soltura da trompa. Para essa mulher, foi a melhor solução. Agora, ela pode ter quantos filhos quiser, independentemente do médico.
No entanto, a FIV pode passar a ser a primeira opção se a mulher tiver mais de 35 anos ou se o casal estiver tentando engravidar há mais de cinco anos. Nesses casos, não há muito o que discutir quanto à escolha da FIV e pode ser interessante pular uma etapa. O mesmo ocorre nos casos que se caracterizam pela esterilidade de um dos parceiros. A ausência de ovários, a não produção de espermatozóides ou a obstrução das trompas são exemplos incontestáveis de esterilidade.
Situação inversa pode ocorrer com o casal que procura engravidar hå cerca de dois anos, com idades na faixa dos 25 a 30 anos, a vida inteira pela frente e o desejo de ter mais de um filho. Nesse caso, considero muito agressivo deixar de investigar mais profundamente as causas da infertilidade, atitude que acabaria por manter o casal na dependência de um médico para realizar os procedimentos da FIV toda vez que quisesse ter um filho. No entanto, alguns casais tendem a desistir do tratamento ao sentir que o especialista pretende fazer inúmeras investigações antes de partir para a FIV Portanto, é fundamental que o médico saiba expor com clareza suas intenções, métodos e resultados de forma a instaurar um clima de confiança e franqueza. Dessa forma – e com a ajuda de uma atitude compreensiva e paciente do casal –, todos os sentimentos, desde a ansiedade até o medo, podem ser discutidos no contexto da escolha do tratamento, permitindo que todos saiam ganhando.
O trabalho do esterileuta também é subordinado à tábua de vida que se delineia pelos índices naturais de gravidez. Ao tratar um casal, resolvendo os problemas que impedem uma concepção normal, ficam restabelecidas as chances que todo mundo tem. A gravidez poderá vir logo ou exigir novas tentativas. No entanto, outras variáveis participam dessa expectativa. É preciso um certo tempo para saber se determinado tratamento deu resultado: é o tempo para que as chances naturais ocorram e para que medicamentos, cirurgias e recursos empregados para a reprodução assistida produzam efeitos. Ao administrar, por exemplo, um indutor de ovulação, há todo um processo pela frente que precisa dar certo. No entanto, tampouco se pode esperar demais para que outros caminhos médicos sejam tentados.
E importante lembrar que, nos tratamentos da esterilidade, é difícil garantir diagnósticos taxativos. Com exceção dos casos irrefutáveis – menopausa ou ausência de trompas, útero e espermatozóides–, os fatores são todos muito relativos. Por isso certezas absolutas não são possíveis depois de apenas uma investigação inicial
Também é importante deixar claro que o papel do médico não é convencer as pessoas de soluções maravilhosas e modernas, mas sim mostrar os caminhos e discutir as vantagens e desvantagens de cada opção, inclusive estatisticamente, deixando que o casal decida qual é a opção mais adequada ao seu modo de pensar e ao seu estilo de vida.
Conversando sobre sexo
Quando os exames não indicam problemas hormonais ou genéticos, processos infecciosos ou fatores obstrutivos em nenhum dos parceiros, o teste pós–coito, feito no momento adequado, pode indicar se a causa de infertilidade está na forma com que os parceiros se relacionam sexualmente. Se a amostra do muco cervical, após a relação sexual, não apresentar espermatozóides, é possível que eles não tenham chegado lá porque a forma como o casal se relacionou sexu almente não tenha permitido.
Embora seja uma felicidade para o casal descobrir que nenhum dos dois tem doenças orgânicas ou estruturais que impeçam uma gravidez, as causas para a não deposição de sêmen no fundo da vagina em uma relação entre parceiros férteis geralmente fogem aos recursos de investigação do esterileuta. E esse tipo de dificuldade pode levar um longo período para ser solucionada.
Por isso, é importante para o profissional que trata a infertilidade fazer uma investigação da relação sexual do casal. Deixar de lado essas informações seria ignorar um passo importante do diagnóstico. Normalmente, o esterileuta aproveita um momento mais tranquilo da consulta para fazer algumas perguntas ao casal sobre sua vida sexual. Perguntamos, por exemplo, se há ejaculação e se o homem considera a sua ejaculação de boa qualidade Queremos saber também se ambos, homem e mulher, consideram a penetração como de boa qualidade e se há ejaculação dentro da vagina. Tudo isso faz parte da investigação médica.
que não é da alçada do esterileuta é discutir disfunções sexuais, quer dizer, problemas psicológicos ou físicos que afetam a vida sexual do casal. Uma primeira avaliação da relação sexual pode trazer indícios importantes para a investigação da infertilidade. Dai para frente, no entanto, a investigação da qualidade do coito, com a anuência do casal, requer a ajuda de um sexólogo 18
Não podemos esquecer que o esterileuta geralmente conta com um profissional de apoio para atender o casal e conhece seus próprios limites. Ele não pode agir como quem abre um órgão para fazer uma cirurgia e não sabe o que é que está sangrando. A forma com que o casal se ama tem significados mais profundos do que um mero aspecto mecânico do coito. Ela concentra sentimentos, cumplicidades e segredos individuais que não devem ser violados impunemente. Podem, sim, ser levados ao terapeuta
Finalmente, não podemos esquecer que geralmente não é qualidade da relação sexual que determina o desejo de uma gravidez, mas a qualidade da relação do casal. I importante lembrar que os parceiros também podem, a qualquer momento, optar por pular etapas, partindo para uma inseminação artificial. É comum a escolha da inseminação em casos acentuados de impotência relativa em que não seja possível o necessário aprofundamento do pênis no momento de expedir o sēmen. Em outros casos, com explicações menos detectáveis, a medicina tratará o problema como Esterilidade Sem Causa Aparente (Esca) e ele poderá ser resolvido pelas técnicas de reprodução assistida. Se os parceiros se aceitam e têm prazer na sua forma de relacionar–se, ainda que ela seja insuficiente para promover a desejada fecundação, eles têm todo o direito de escolher a reprodução assistida.
Hipo diagnóstico e hiperdimensionamento do tratamento
Investigação de menos e tecnologia demais. Esta pode ser a alternativa oferecida a um casal que procure ajuda em uma clínica de fertilização in vitro. Nesse caso, a filosofia do serviço é pular etapas, perder menos tempo com o diagnóstico e partir direto para o bebê de proveta, que é como a FIV é conhecida. Trata–se de uma combinação entre hipo diagnóstico– menor investigação das causas hidrotratamento – uso da mais alta tecnologia para tentar contornar os problemas existentes. Vale a pena?
Diante de uma situação como esta, o casal deve primeiro considerar que há outros serviços que adotam uma filosofia de atendimento diferente primeiro buscam a causa da esterilidade, depois fazem a indicação do tratamento mais adequado, seja um simples medicamento para corrigir algum desequilíbrio do ciclo hormonal ou o bebê de proveta.
A ampla gama de problemas que o uso da fertilização in vitro pode, em tese, resolver é a causa do surgimento de muitas clínicas que praticam a combinação de hipo diagnóstico e hiper tratamento. O funcionamento dessas clínicas é facilitado pelo fato de que o tratamento pode ser feito por um médico que domine a técnica do bebê de proveta, sem possuir profundos conhecimentos de endocrinologia e com menos especialização em saúde reprodutiva do que seria exigido para identificação e tratamento das causas.
Embora pareça uma via rápida para a gravidez, essa filosofia pode retardar ou até mesmo colocar a perder as chances de gravidez que o casal teria com outros procedimentos. Para muitos pacientes seria como propor que tomem um avião a jato quando eles só precisam ir de um bairro para outro.
Como acabamos de ver, alguns exames básicos são exigidos no tratamento de um caso de infertilidade. Esses exames são o mínimo que se deve fazer. Muitas causas aparecem nessa fase de investigação e podem ser tratadas de formas mais naturais ou já confirmar a necessidade de uma fertilização in vitro ou ICSI (método de reprodução assistida que consiste na introdução de um espermatozoide diretamente no óvulo). Os exames básicos podem exigir algum outro procedimento de diagnóstico mais detalhado ou então indicar a necessidade de alguns meses de cuidados para que a tentativa de engravidar, mesmo com uso de tecnologia, tenha chances bem maiores de sucesso.
A lógica que explica o hipo diagnóstico pode ser compreendida em um exemplo simples: se a transferência do embrião, em uma FIV, é feita sem passar pela trompa, para que radiografar e tratar a trompa? O fato é que essa trompa pode estar prejudicada por alguma aderência externa, fácil de ser descolada em uma laparoscopia. E, uma vez descolada, a mulher pode ter suas condições reprodutivas restauradas, sem necessidade de recorrer à FIV.
Agora, digamos que a paciente precise mesino da FIV porque suas trompas não funcionam como um caminho adequado para o óvulo. Mesmo assim, é preciso investigar e tratar as causas para que a própria FIV funcione. Doenças de trompa podem despejar certos líquidos no útero que roubam as condições de implantação do embrião, A FIV é feita, o embrião é transferido, mas acaba não conseguindo se fixar no útero, causando o desperdício de uma grande oportunidade.
Quando um bom diagnóstico é feito, o casal tem a oportunidade de conhecer melhor as etapas do tratamento que vai fazer, as escolhas ao seu alcance e as chances de gravidez durante o tratamento. Essa transparência tem um efeito inibidor no abandono do tratamento.
Estatisticamente, há trabalhos muito sérios mostrando que nos grupos tratados diretamente com FIV, pulando etapas, a taxa acumulada de gravidez em alguns casos é menor do que em grupos onde as causas da infertilidade foram investigadas e tratadas a partir de indicação específica. O motivo disso é que as chances de uma mulher engravidar são cumulativas, ou seja, aumentam com o desenrolar do tratamento. Quando a FIV não dá certo e o casal não tenta novamente, seja porque o procedimento é caro ou devido ao estresse que representa uma segunda ou terceira tentativa, a chance cumulativa deixa de existir.
Ao consultar uma clínica de reprodução assistida, o casal deve fazer algumas perguntas básicas: As causas da infertilidade estão sendo adequadamente investigadas? Feitos os exames, há uma preocupação em chegar ao diagnóstico correto? O tratamento recomendado se relaciona diretamente com as causas identificadas ou pula etapas de investigação? Por que determinada opção está sendo indicada? Há tratamentos menos invasivos que podem resolver os problemas encontrados? Com qual dos métodos as chances acumuladas de gravidez serão maiores?