COMO FICOU IMPLÍCITO NO CAPÍTULO ANTERIOR, a fertilidade se faz da soma das características de um determinado casal. mulheres muito férteis com maridos pouco férteis e viceversa, e, graças a interação das características do casal, a gravidez ocorre. casais em que os dois parceiros têm sub fertilidade, mas seus recursos naturais interagem bem, Muitos nem chegam a saber que têm algum problema menor, pois conseguem a gravidez naturalmente. Outros precisam de ajuda médica

A medicina especializada em reprodução assistida considera a fertilidade uma condição do casal. A partir da investigação do casal é que serão tratados distúrbios individuais. O êxito da conduta médica, no entanto, sempre será monitorado com base na parceria

A desbravadora 

Geralmente, quem chega primeiro ao consultório é a mulher. Fatores culturais contribuem para isso, além do fato de que a figura do esterileuta (especialista em reprodução humana) é geralmente relacionada com a do ginecologista Muitas vezes, a mulher vem antes por sentirse, de forma equivocada, mais responsável pela busca de soluções para o casal do que o seu companheiro, ou então porque a visita lhe foi diretamente recomendada pelo ginecologista Outras vezes, ela vem para primeiro certificar se do atendimento e então abrir caminho para o marido. De qualquer forma, é importante salientar que a investigação completa das causas da infertilidade poderá ser feita quando vierem os dois.

O resistente 

São muitos os homens que se sentem incomodados com um simples espermograma. Alguns nem querem se submeter ao exame. Preferem acreditar que a causa é feminina. É característica masculina muito forte e preconceituosa. Existe uma confusão entre impotência generandi que é a impotência de não ser capaz de gerar um filho com a impotência coeundi, que se caracteriza pela falta de ereções. O homem se sente respeitado por aquilo que faz, pelo seu desempenho, por aquilo que ele consegue, não por aquilo que ele é. E, na sua compreensão, faz parte desse desempenho biológico o espermatozóide Correr atrás do óvulo. Então, ele prefere não fazer esse exame e joga a mulher para frente da batalha. Esse é o primeiro fator de resistência

O segundo fato de resistência é que muitos homens resistem a colher esse exame por masturbação. No entanto, a dificuldade de se colher o sēmen dessa forma também é considerada nos procedimentos para o exame, de maneira que não desculpas para deixar de fazêlo. Existe até uma camisinha especial, feita de um material similar ao celofane, que é indicada para esses casos. Se o homem não consegue colher o exame por masturbação, ele pode colhêlo com essa camisinha especial em uma relação sexual. No entanto, assim que ejacula, ele tem 45 minutos para chegar ao laboratório, pois é este o tempo que o sêmen leva para se liquefazer.. De modo geral, as clínicas de reprodução humana oferecem condições para a realização do espermograma

Alguns homens abandonam o tratamento após os primeiros resultados do espermograma e se recusam a ir em frente. Muitos interpretam que o fato de terem baixa quantidade de líquido espermático do sêmen ejaculado significa menor fertilidade e, por isso, nem aceitam fazer a coleta. No entanto, pode ser justamente o contrário em alguns casos. E como se o espermatozóide fosse o açúcar e o líquido espermático a água em uma mistura. Muito líquido não quer dizer que exista muito açúcar, mas só isso estimula os medos que o homem tem de ser estéril e de ser considerado impotente. Quando os exames são inconclusivos, entra um outro problema: a necessidade de exames mais sofisticados, o que vai implicar na realização de mais uma coleta

É interessante observarmos que a resistência do homem é um dos grandes motivos de interrupção do tratamento nos casos que chegam aos serviços públicos. No Hospital Brigadeiro, em São Paulo, onde trabalhei por 25 anos, observamos índices de 10 a 12% de abandono de tratamento porque os homens se recusaram a comparecer às consultas ou submeterse a exames imprescindíveis como o espermograma. Os procedimentos médicos naquele serviço acabaram sendo modificados a partir da observação da alta taxa de abandono resultante da resistência masculina. Na primeira consulta, as pacientes, que geralmente vêm sozinhas, são informadas de que o marido deverá comparecer e colaborar na investigação

De quem é a culpa? 

É bastante comum que as mulheres, por motivos estritamente culturais, comecem o tratamento atribuindo a si mesmas alguma responsabilidade pela não Ocorrência da gravidez e procurando as causas em algum comportamento ou evento que ocorrerá em suas vidas. Por isso, dúvidas sobre o uso anterior da pílula são bastante comuns no consultório do esterileuta

No impulso natural de autoinvestigação, uma outra observação que as mulheres sempre fazem e associam com a fertilidade é a cor de seu sangramento ou, ainda, a ocorrência de transtornos menstruais. Muitas se sentem tranquilas ao constatar que a menstruação mostra um vermelho rutilante, vivo, sem saber que eventualmente isso pode ser consequência de um fluxo menstrual aumentado em razão de distúrbios uterinos. Outras se queixam ao observar um sangramento escurecido. Do ponto de vista da atividade hormonal, isto pode ser um sinal positivo da ação do hormônio progesterona no período pósovulatório. A função desse hormônio é preparar o útero para abrigar o embrião, caso a fecundação ocorra

É importante observar que não tamanha dependência entre a cor do sangramento e a fertilidade. Se o sangramento é abundante, pode ser mais vermelho. Quando a menstruação vem em menor quantidade, é mais escura. Se a mulher usa pilula por um período prolongado, o excesso de progesterona contido na pílula faz com que o endométrio cresça menos

Cólicas menstruais também não são necessariamente, sinal de infertilidade. Vários são os fatores que podem causálas, como por exemplo o posicionamento do útero, o grau de dilatação do colo e o grau de liberação de substâncias relacionadas com a produção da dor no momento da menstruação

DIÁRIO DE UM ESTERILEUTA 1

Difícil de compreender 

Depois de seis anos de casamento, Ana Lúcia tinha 27 anos e Oscar havia chegado aos 35. Nascidos em famílias numerosas, ambos tinham como certo que na sua vida em comum estaria incluída a gestação de alguns bebés. Tranquilos, até o segundo ano de casamento valeramse de anticoncepcionais para preservar uma fase de sedimentação da vida conjugal. Então decidiram que uma criança seria bemvinda. A partir daí, foram quatro anos de relações sexuais associadas à expectativa de uma gravidez que não aconteceu. Foi quando chegaram ao meu consultório para fazer os primeiros exames diagnósticos

Doutor, não consigo entender, disse Ana Lúcia na consulta inaugural. Tenho a menstruação regular, de uma boa cor, e não sinto cólica

Oscar completou assegurando que não manifestava nenhuma dificuldade para ejacular. Nós nos amamos e temos relações frequentes, sempre com prazer, acentuou. Ana Lúcia tinha uma dúvida: Será que a pílula anticoncepcional que tomei durante o namoro e a primeira fase do casamento me fez mal?” 

Os dois não sabiam, mas estavam reproduzindo um tipo de indagação que muitos e muitos casais costumam fazer ao esterileuta

Após saírem os resultados dos primeiros exames, Oscar ficou bastante surpreso quando lhe informei que, além de uma pequena obstrução nas trompas de Ana, constatamos que a sua produção de espermatozóides estava um pouco abaixo da média. Não é possível, doutor! Não tive dificuldade em colher a amostra para o laboratório. Foi uma boa quantidade de sémen, assegurou um pouco nervoso. Lembrou ainda o fato de seus pais e irmãos terem vários filhos, motivo pelo qual estava se sentindo cobrado pela família para também aumentar a prole. Todos estão esperando a chegada de nosso bebê, explicou, como se toda angústia que sentia pudesse ser fomentada apenas por expectativas externas, dando indícios da sua dificuldade de lidar com os próprios questionamentos

Ana Lúcia e Oscar puderam ser tratados com técnicas de fertilização em laboratório que ajudaram a resolver, ao mesmo tempo, o fator espermático de Oscar e o fator obstrutivo de Ana Lúcia. A ultima vez que os en contrei estavam com seu bebê de quatro meses, felizes com a perspectiva de, em breve, poderem aumentar a família, bastando um novo empurrão das técnicas de fertilização. Para chegar à indicação de uma fertilização in vitro que poupou Oscar e Ana Lúcia de tratamentos prolongados e invasivos com resultados duvidosos, a medicina recorreu aos seus quatro cam pos de investigação

Os homens, por sua vez, consideram como sinônimo de fertilidade o fato de terem ereção e orgasmo, ejacularem e produzirem uma quantidade razoável de líquido espermático. É importante observarmos, no entanto, que o sêmen é uma associação do líquido espermático com o espermatozóide. Portanto, o excesso do primeiro não significa necessariamente abundância do segundo

Casos de homens que não ejaculam espermatozóides são explicados por algum tipo de obstrução do canal por onde transitam os gametas ou ainda pela retroejaculação, isto é, ejaculação que ocorre dentro da bexiga em decorrência de problemas vasculares ou neurológicos, Homens que apresentam essas condições podem ser férteis desde que a coleta das células reprodutivas seja feita de acordo com o tipo de problema existente.

casos explícitos de baixa qualidade do espermatozóide combinada Com resultados de exame que apontam condições esplêndidas na mulher, resultando em uma situação onde o espermatozóide não consegue penetrar o óvulo. Mesmo diante de um quadro como esse, pacientes que se recusam a fazer alguns testes para conferir a capacidade de penetração do espermato zóide.lt Concluem até que o problema estaria no óvulo da companheira e simplesmente não conseguem suportar a situação

Por isso é tão importante que o esterileuta consiga esclarecer para o casal que não existe um culpado ou uma culpada. Existe um casal diante de um problema de infertilidade. Os dois estão no mesmo time para chutar a bola para o mesmo lado. E isso deve estar claro-e bem acordado – antes que o tratamento comece. Do contrário, não vai para frente. As acusações, o sentimento de menos-valia imputado a um dos cônjuges, poderá levar a ressentimentos futuros entre eles.